Curva ferroviária por detras da Vila São José
Todo morador do Jacarecanga sabe que, até o fechamento em definitivo do tráfego ferroviário entre as estações Central e Otávio Bonfim ocorrida em 2010, a Vila São José oferecia seu solo para o trem fazer sua curva em 90º.
A estrada de ferro saindo do Centro transpassava três passagens de nível, no trajeto hoje inexistente: Marinha e as Avenidas Francisco Sá e Sgt. Hermínio no bairro Monte Castelo.
A gurizada tinha uma verdadeira aversão se manter dentro de casa, ocorrendo em idealizar e construir casinhas em locais atípicos, o que denominávamos de “Cavernas”. Tínhamos grupos rivais, ou seja, os da VSJ e os discípulos do Gutemberg, cuja Vila olhava para o Centro de Saúde Carlos Ribeiro, pela Rua Jacinto de Matos, principal via de acesso ao populoso bairro do Pirambú.
A localização dessa concentração era exatamente no raio da grande curva acentuada, por detrás das casas da Rua Coronel Philomeno (hoje Messias) olhando para a Vacaria da Família dos Paulinos de Acopiara, remanescente dos Carvalhos do antigo Quincoê do Lajes – Iguatu, Ceará.
Nós tínhamos líderes, o qual obedecíamos à risca sob pena de levar sabacu ou exclusão. Dos que ainda posso lembrar tínhamos “Toinho Cajuína”; “Flávio Feijão”; “Videlmom Bico de Papagaio”. Na rivalidade Gutemberg, João (filho do seu Mozart eletricista) que, juntamente com o Jorge usavam um cão adestrado, para nos atacar. O Antunes morava no entorno da linha ferroviária, mas era manso e não se misturava. Vez por outra nos dava Timbaúba, aquela madeira leve.
A segurança do caminho que nos conduzia da linha férrea até a caverna era que, tinha mato na altura do joelho, ai os quebra canelas que fazíamos dava-nos proteção. Cavávamos um buraco de meio metro de profundidade por dois palmos de abertura. O piso falso era com uma grelha de palitos de coqueiros, forrado com meia folha de jornal que o Glauco Cueca trazia de casa. Cobria-se de areia. Nós da caverna, sabíamos onde se localizava as armadilhas com pedras sinalizadoras, mas, quem não pertencia ao grupo VSJ, metia o pé e se feria com os cacos de vidros no fim do buraco.
Uma cabeça de gato era colocada na porta da entrada, e pasme o leitor, era para nós uma coisa “sagrada”. Isto foi o que aprendemos com a exibição pela TV Excelsior do seriado “A Deusa de Joba” em 1966. Fora uma ficção científica produzida trinta anos antes, pela “Repúblic Pictures” produzida em 1936.
Nossa cozinha sabor selvagem, era com um artesanal fogão de duas pedras de paralelepípedo. Colocávamos lenha, galhos, cascas de castanha, o que pegasse fogo. Arroz roubado de casa, macarrão 00 da Nebram, tripa de porco, carde de lata…. O “Paulo Piongue” com o “Flávio Feijão” era os barraqueiros.
O suco era de caju direto do sítio da Vovó Extra (Ester) com um agravante: não pedíamos ao seu caseiro para tirar. O “Zé Boneco” e o “Wilson Maluquinho” eram os responsáveis por essa parte. O preparo era em panelas no desuso, ou em latas de leite vazias. O “Carlos Fifi” trazia a água. Tudo era mexido com uma concha também fruto de nossa criatividade: Duas quengas de coco atravessada com galho de Goiabeira, retirado da beira da ponte, próximo a Vacaria do Velho Alves, de onde vinham também os palitos de coqueiros para as armadilhas. Na hora do rango todos participavam. Na hora do suco, bebíamos, assim como os gaúchos em suas rodadas de chimarrão.
Que fique consignado nesses escritos: tudo fazíamos por travessuras, e não por instinto de selvajaria, perversidade ou necessidade primária. Até um amortecedor de carro encontrado à beira da linha, nós guardamos como se fosse dinamite.
Então nós não queríamos era estar em casa nas folgas escolares. E como consolo levávamos jerimum para casa, produto local da terra que, cultivávamos e muitas vezes o “Vandir Filho da Mutuca” roubava de nós.
Em 1970 (12 anos o autor tinha) a RFFSA resolveu fazer uma carpina e reformar o local por nós ocupado. (Vide fotos). Aí foi a destruição daquela peripécia dos meninos anos 60 da VSJ. Os trabalhadores da Rede Ferroviária até nos amedrontaram, dizendo que se nós continuássemos com aquele tipo de coisa na beira dos trilhos, o Juizado de Menores nos levava.
Terminado o serviço daqueles homens, ainda nos reunimos num gramado, na frente da casa do Seu Chicó pai do Zé boneco, vizinho a “Maria Pé de Bicho”, mas a coisa ficou sem expressão. Com a chegada da pubescência a vida dá outro rumo; a gente reconhece o que a travessura nos leva a fazer.
Os trens ainda continuariam a circular como já lemos, até 2010, mas sem os meninos para admirá-lo.
……O local foi abandonado.