Assis Lima
Assis Lima

MUCURIPE BAIRRO INICIADO POR PESCADORES

O Ramal da Marítima nasceu no Bairro Moura Brasil

A expressão “história de pescador” para quem desconhece é milenar, pois, segundo as “Escrituras Sagradas”, o Profeta Jonas recebeu uma ordem de Deus para evangelizar a cidade de Nínive. O mesmo em desobediência ao recado do Céu, tomou um navio com destino a Társis, quando um juízo divino provocou uma tempestade.

Jonas a pedido foi jogado pelos marinheiros no mar revolto e, ao ser tragado por um grande peixe fez-se bonança. Após três dias o peixe gigante vomitou o profeta em terra próximo a Nínive. Aí os pescadores ao contemplarem essa cena começaram a espalhar na cidade e, todas as vezes que Jonas era visto, o povo dizia: “Esse é o homem que veio até nós chegando de peixe”. Foi um grande milagre da parte de Deus, o peixe levar o mensageiro ao seu destino e também o mesmo não ter sofrido o menor arranhão, porém ninguém acreditava nesta história por ser contada por pescadores.

Como era Fortaleza em 1810.

Pois bem, o Brasil foi descoberto no Ceará quando em 2 de janeiro de 1500 o olhar pioneiro do navegador espanhol Vicente Ianez de Pinzon captou as dunas do Siará grande, porém, em 1494 havia sido assinado em Tordesilha na Espanha um tratado entre Portugal e o mesmo e por conta desse pacto a descoberta oficial devia ser dos portugueses, coisa que só aconteceria na Bahia aos 22 de abril de 1500. Com todo respeito que tenho pela nossa história, quer os baianos queiram ou não, o Brasil foi descoberto no Ceará.

Embora o historiador Tomás Pompeu Sobrinho e outros tenham afirmado ser o Cabo de Santa Maria de La consolacion, o Rostro Hermoso a Ponta Grossa ou Jabarana no Município de Aracati, o historiador Francisco Adolfo de Varnhagem defende que, o local visitado pelos espanhóis era a ponta do Macorie, nome este encontrado no mapa das capitanias hereditárias em 1574. Posteriormente essa nomenclatura sofreu modificações terminando em Mocoripe – Mucuripe.  José de Alencar, o romancista diz que essa palavra vem de Corib “Alegrar” e Mo vem do verbo Monhang, tornando o ativo passivo. Talvez Alencar quisesse referir-se aos morros, por ter causado alegria aos navegantes.

Rua da Cadeia – General Sampaio

 

Em 1603 Pero Coelho de Souza chegando ao Ceará, não conseguiu se instalar no Rostro Hermoso tendo em vista os nativos oferecerem resistência. Os habitantes primitivos da ponta do Mucuripe aos poucos foram sendo dominados pelos invasores e com a imposição da cultura lusa, o remanescente foi se adaptando à civilização, porém por amor aos morros, ao navegável riacho Maceió e a calma oferecida pelo iodado vento leste, isoladamente preferiram viver em comunidade tendo a “Caça e Pesca” como produtos de consumo e exportação.

No início do século XX, toda a população do Mucuripe era agasalhada em vilas com casas de taipa sem planejamento.

Em 1929, começou a ser discutido o projeto de um novo porto para Fortaleza, quando foi enviada para a Capital uma comitiva de engenheiros do Ministério da Viação e Obras públicas. O resultado foi que, realmente o novo porto deveria ser localizado na ponta do Mucuripe como já tinha sugestões. O espigão para a retenção das ondas do mar seria construído defronte ao velho farol e aí se fez necessário que, os trilhos da Rede de Viação Cearense que se encontravam na ponte metálica se prolongassem para o Mucuripe pela beira mar.

O ramal ferroviário que ligou a ponte metálica ao Mucuripe, segundo o pesquisador Nirez, foi um presente de Natal do ano 1933.

Trilhos atravessando a Avenida Atlântica 

Agora o leitor está convidado a fazer uma viagem no tempo por o trem da praia por este antigo ramal:

# O inicio dessa viagem é na pedreira da Monguba distrito de Pacatuba, porém vamos embarcar na Estação central. Estamos na Rua Padre Mororó no Morro do Moinho, avistando em baixo o terreno da família Torres e o mar ao largo com as ondas espumantes. Contemplamos no local hoje ocupado pelo Hotel Marina, as estreitas ruas Santa Terezinha, São Pedro, São José e São Francisco. O ramal da marítima desce em busca da praia formosa. Passando pela rua da cadeia (General Sampaio), começamos a captar ao lado do Passeio Público o movimento das caldeiras pertencentes a “The Ceará Tramway Light & Power Co. Ltd” usina fornecedora de energia elétrica e concessionária dos serviços de bondes de Fortaleza. Em nossa frente agora o prédio da Recebedoria do Estado (Secretaria da fazenda) e aí nos emparelhamos com a Avenida Pessoa Anta, por uma linha que nos leva ao mar, deixando como ramal, a linha morta da Alfândega.

Avenida Beira Mar

                 A jornada agora é pela Orla Marítima. Por detrás do majestoso edifício de pedra outro Aparelho de Mudança de Via (agulha). Seguimos em reta ficando do lado esquerdo a linha da Ponte Metálica. Agora sim entramos na linha do mar. A viagem segue cortando a Avenida Almirante Tamandaré e por um portão chegamos ao pátio do Departamento de Viação e Obras; Saímos ao lado da igreja de São Pedro palmilhando pela Avenida Aquidabã. Fazemos uma diagonal em solo de areia e o Ideal Clube vai ficando para trás. A linha em tangente deu condição para a locomotiva à vapor aumentar sua velocidade.

Chegando na Volta da Jurema, vemos a Avenida dos Jangadeiros, os coqueiros a dançarem e lá está o tamarindeiro com uma caixa d’água. É hora de parar a locomotiva Baldwin tipo 0-4-0 nº 25 “A mariquita”, para que a mesma tome água. Após essa pausa a máquina arquejando, prossegue viagem passando por detrás da Rua da Frente (engraçado!).

Trem trafegava no pé do morro.

        A Vila de pescadores recebendo o refrescante vento da maresia, o veemente som do marulho das vagas, de longe percebe a passagem do trem. O comboio levantando a poeira do pé do morro presta continência ao velho Farol chegando ao canteiro das obras do porto.

Com motor de Caterpillar o Titan (pode

 Trem e Farol  –  Registro de 1937

roso guindaste proveniente do Rio de Janeiro e montado em 1939) começa a descarregar as pedras das gôndolas, sob os olhares dos engenheiros Rodolfo Lange e Aristides Barcelos responsáveis pelo setor de obras da construção do Cais.

Assim foi construído o espigão como retentor da fúria do mar e, com o posterior assoreamento se criaria a hoje Praia Mansa ou Praia do Titanzinho. #

Ramal do Mucuripe – 1942

Todo bairro sofre transformações sociais e paisagísticas, o que ofende ao geógrafo sentimental. O Mucuripe assim como outros bairros de nossa Fortaleza passaria por profundas transformações. Senão vejamos:

► Em 28 de janeiro de 1941 foi inaugurado pelo interventor Menezes Pimentel o ramal ferroviário Parangaba-Mucuripe e aí com as pedras sendo transportadas pela nova linha, os trilhos da beira mar foram entregues às intempéries.

► O Acrísio Moreira da Rocha construiu a Avenida da Abolição;

► Cordeiro Neto urbanizou a Avenida Beira Mar que, depois homenagearia político não brasileiro.

Obras e o Titan

A memória do humilde Mucuripe só não foi ainda apagada pela especulação imobiliária, devido à resistência do seu povo que defende sua cultura. Pense num Mucuripe sem constar nomes como o do jornalista Blanchard Girão, do Padre José Nilson e a Vera Miranda (Verinha) com seus memoriais? Lamentamos todos nos deixarem, mas temos o Memorial do Mucuripe!

► Por fim aos 25 de dezembro de 1947, o serviço portuário de Fortaleza passou a ser feito no Mucuripe ainda em botes e Alvarenga. A ponte metálica nesse mesmo dia foi desativada.

► O primeiro navio de grande porte a fundear no novo porto foi o “Mormacred” vindo dos Estados Unidos e aqui chegando aos 28 de junho de 1949.

► A Rede de Viação Cearense recebeu aos 2 de outubro de 1949, suas três primeiras locomotivas Diesel-elétricas, fabricadas pela Whitcomb nos USA.

►A companhia de petróleo Shell Mex surgiu em 27 de março de 1950.

Trem no Mucuripe com o porto em obras

O porto depois passou a ser a Companhia Docas do ceará e a Rede Ferroviária Federal S/A, antiga RVC, inaugurou seu majestoso pátio de manobras aos 10 de setembro de 1982. (O autor estava manobrador nesta ocasião).

Complementando, o último trem que circulou pela Avenida Beira Mar foi aos 13 de novembro de 1946. Segundo o velho funcionário do Lóide brasileiro, Sr. João Dantas Neto, a composição tinha 8 vagões e pasmem: Referido trem devido a vários descarrilamentos e com a queda da grelha da máquina, levou mais de dois dias para trafegar da Ponte Metálica ao Porto do Mucuripe.

Bem, vou parar por aqui senão a história desse trem pode virar conto de pescador…

Nota: Neste post, o autor recorreu a notável obra do Jornalista Miguel Ângelo de Azevedo – Nirez: “Cronologia Ilustrada de Fortaleza” BNB 2001.

Vila de Pescadores na Volta da Jurema. 

 

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