Rua Dona Bela era a Rua dos Comércios
Era gostoso o amanhecer do dia na Vila São José nos dias de verão; a estrela D’alva ainda não tinha sida ofuscada pelo alaranjado raio do astro-rei; dava-se para ouvir o suar das ondas em dias de mar bravio no Pirambú; uma delicia o refrescante vento assobiando no encontro da instalação elétrica dos fios da Conefor (hoje Enel) e, fazendo deitar galhos finos das árvores mais altas.
O barulho só começava às 6 h quando a fábrica São José iniciava suas atividades, nos teares (tecelagem) e quando os trens suburbanos da RFFSA apitavam. Assim começava a poluição sonora, mandando paulatinamente ir embora o sossego noturno.
Os pássaros rolinhas (caldo de feijão e cascavel), com seu melancólico e redundante cântico de modo uníssono, se alegravam pousados na linha telegráfica do trem, nos impondo responsabilidade.
Agora, tinha algo atípico que, culminou em típico na cultura peculiar de nossa Vila Operária? Tinha sim: eram os Gritantes vendedores de porta!
O primeiro era o homem da tapioca: “Tapiiooooca”. Por muitos anos ouvia-se essa voz, mas isso não agoniava quem estudava no Grupo Escolas Sales Campos no turno da tarde; não se via os donos de casa sair.
Um dia por curiosidade alguns meninos saíram pra calçada: de calções e cabelos assanhados, declinaram olhares para a Rua Coronel Philomeno, e o homem ainda ia passar. vindo da Rua Dona Bela. De súbito, entrou um cidadão alto, moreno, chapéu de palha e um caixote todo forrado com palhas de bananeira. Era o tapioqueiro.
O homem da verdura passava perto das 7 horas. Aquele verdureiro era o mais conhecido, pois, era o pai de uma mocinha que era secretária do lar (seu nome agora me escapa). Trabalhava na casa do Wilson “Bucho Branco” que era gerente da desaparecida Lanchonete Miscelânea na Praça do Ferreira, vizinho ao Posto Mazine na Fortaleza antiga.
Sem hora prevista vinha o homem do “Meeeeeeeel”. Equilibrava com uma rodilha um vasilhame tipo leiteira e vendia seu produto natural: “Hoje é de jandaíra, é das Italianas” e por aí ia. Hoje a nutrição policia-nos devido doenças tipo diabete.
Vendedor de Chegadinho
Já ao meio dia com alunos fardados para irem ao Grupo Escolar Sales Campos, chegava o “Fedorento” do Picolé. Tomou esse apelido, devido o causticante sol que o fazia transpirar sem a assepsia nas auxilia. Era um quarentão de pele morena, e que estacionava a carroça debaixo de nosso Fícus-benjamim e que, sem nenhuma justificativa fora derrubado em 1975, na Rua Coronel Philomeno defronte ao nº 43, minha residência.
Convém registrar que, próximo ao meio dia a colossal chaminé da Usina São José expelia fumaça da descarga, quando a caldeira que ficava na estamparia, bufava. No céu da Vila ficava uma nuvem de fumaça branca não poluente que, devido a altura do cano não atingia as casas, mas que se vivenciava uma espécie de eclipse, pois, o dia mudava de cor.
A noite tinha mais dois vendedores de picolé. Um que dizia” Mel, mé Mel” e era distribuidor dos gelados da Sorveteria Gury; O “Ceará” era o outro que, largava a carroça e começa a se estrebuchar no chão, quando alguém dizia que ele era torcedor pelo Fortaleza, rivalidade no futebol cearense.
Antes de passar as novelas, vinha o “vendedor de chegadinho” e a sua chamada era com o triângulo. Eram folhas crocantes de trigo e outros produtos que pareciam folhas de pé de castanhola assadas.
Apareceram também uns pipoqueiros vindos do Bairro Carlito Pamplona que ficavam na esquina da casa do Dédé banbulê na Rua Dona Bela.
Aos fins de semana vinha o pipoqueiro que morava na Rua Padre Mororó, quase defronte ao Santa Cruz Sport Club por o lado do Sol. Sua chamada era: “Pipoqueirooooo, chegou o cheiroso!”. A noite era o vendedor de algodão doce. Como ele pouco falava, levou pela corriola o nome de “Caladinho”. Eram demais as opções de vendas e a Vila São José era movimentada. Os nossos pais que se aguentasse.
Naquele tempo se dizia: “Trabalhar por Conta Própria”, hoje é “Integrante do Mercado Informal”. Todo trabalho é digno, e não fazia vergonha gritar para vender, diferentemente de hoje, que para vender é preciso ter público alvo, logística e custo benefício.
O trabalho hoje exige uma formatação, uma didática. Milhares de brasileiros se contentam com empregos mesquinhos, parcos salários e condições de vida inferiores, porque se levam uma existência por hábitos de negligência, inexatidão, impontualidade, tudo pela falta de vontade.
Mas…. Foram bons aqueles anos para os infanto-juvenis que nasceram, cresceram e moraram no Jacarecanga, na inesquecível Vila São José. Quem hoje chega lá, se lembra do último parágrafo do romance Iracema de José de Alencar:
TUDO PASSA SOBRE A TERRA.
Vendedor de Algodão Doce
Casa do Wilson “Baixin”, que era ponto de venda de Algodão Doce.
Era vizinho ao Chico Lima que ficava na Rua Dona Bela.
Observa-se nessa casa um circulo na parede.
Era uma coisa original nas casas antigas na Vila. (1926)