Assis Lima
Assis Lima

OS LAZARETOS NA FORTALEZA DE ANTES DE ONTEM

 

Lazzaretto em Veneza – Itália

Lazareto palavra italiana (Lazzaretto), remota ao Lázaro bíblico expressado numa das parábolas de Jesus Cristo, cujo registro está no Evangelho de Lucas capitulo 16, versículos 19 ao 31.

Lázaro sofria o mal de chagas, ou seja lepra, doença contagiosa, tal qual a que seriam a varíola e a cólera. O bacilo de Hansen que a ciência descobriria em 1873 (daí o nome “Hanseníase”) e outras doenças contagiosas, levaram as autoridades sanitárias a isolar os que eram acometidos.

Na época da criação dos Lazaretos, não existia cura para as doença contagiosas, e o tratamento com isolamento perdurou, segundo o doutor Lima Junior Biomédico*, até 1940.

Hoje existe o combate eficaz, e a varíola segundo a OMS, foi erradicada em 1980.

 

Retroagindo

A saúde pública sofreu mudanças, um dos benefícios da vinda da família real para o Brasil em 1808. Dom João VI que já havia tomado conhecimento destas pestes na Europa, abriu os portos, criou o Banco do Brasil, e daí investimentos no setor. Criou-se duas escolas médicas: Escola de Cirurgia da Bahia, e a Médica no Rio de Janeiro.

Foi Luís Barba Alado de Meneses, o primeiro governador a ter a responsabilidade de preparar médicos para o Ceará Autônomo da Colônia, mas devemos o avanço ao Inácio de Sampaio que Governou de 1812 até 1820, a concretização dos Lazaretos e pequenas casas de atendimento médico pois, o Primeiro hospital público seria o Hospital da Caridade, depois Santa casa de Misericórdia que data de 12 de março de 1857, ao lado do Campo da Pólvora (Passeio Público).

O primeiro Lazareto é datado de 1814, e a assistência aos doentes em sua maioria indígenas, era feita pelos Jesuítas, mas de modo precário em local de taipa, com cobertura de palhas de coqueiros. O serviço não era organizado, e os pacientes muitas vezes eram abandonados após cada crise.

No entardecer do Brasil Colônia quando o mesmo passou para Reino-Unido, o Governador Manuel Inácio de Sampaio e Pina Freire, criou casas de saúde para abrigar doentes contagiosos, principalmente os leprosos, daí o nome “ Leprosários ou Lazaretos”.

Por volta de 1817, começou os estudos para a estruturação no meio social urbano da cidade de Fortaleza; isto devido a percepção dos habitantes especificamente os acometidos dos males infectocontagiosos. A cidade se delineou quanto sua estrutura ao se falar em Cadeias Públicas, Lazaretos, criação de cemitérios já que, os enterramentos eram feitos nas igrejas.

Lazareto era sinônimo de uma espécie de quarentena preventiva ou seja, um local que possibilitava a desinfecção de mercadorias e as pessoas que, chegassem de regiões suspeitas.

Havia um contexto que, em meados do século XVIII, existisse uma relação empírica comercial, principalmente em locais banhados pelo mar, e que isto vinha ocorrendo desde a idade média.

Na gestão de Inácio Sampaio, em 1819 foi construído mas já com tijolo de alvenaria e cobertura de telhas, o Lazareto no Sítio Jacarecanga, logo após a passagem sobre o Riacho do mesmo nome, por Barcos.

Vista Aérea e o Local do Campo Baturité marcado. Foto de 1956

 

Arqueologia Involuntária

No Campo de Baturité, uma das quadras do Jacarecanga no entorno Sul da Vila São José, o autor destas linhas acompanhou como curioso, as escavações para a construção da Autoviária São Vicente de Paula em 1970, onde constantemente era encontrada ossadas humana.

Em 1975, já no Governo Adauto Bezerra defronte ao extinto SAPS na Avenida Francisco Sá, aconteceu o mesmo. Ossadas humanas encontradas, o que pressupõe a existência do cemitério dos coléricos, e dos pacientes do Lazareto que no desprezo por ali morriam.

Eu ainda alcancei um galpão com portas verde fechados, na Rua Monsenhor Dantas, onde vizinho, a Família dos Figueiredo construíram a Cajubraz em 1965. Os mais antigos diziam que aquele galpão fechado era a administração de “Campo Sagrado”. Cinco anos após, o mesmo seria destruído como já foi descrito: erguimento da Autoviária São Vicente de Paula.

Lembro-me que vinha umas caminhonetes da polícia fazer este resgate e, depositava os restos mortais no Cemitério São João Batista, no mausoléu chamado “Ao Cristão Desconhecido”. Tudo está indelével em minha mente, pena que não tenho documentos comprobatórios.

Ilustração interna de um Lazareto

 

Lazareto de Lagoa Funda

O segundo Lazareto, o de lagoa Funda surgiu em 1855, tendo sido autorizado por uma sessão da Junta real da Fazenda. Em terreno adquirido do coronel Francisco Xavier Torres, o Presidente da Província, João Silveira de Sousa teve essa iniciativa prevendo o surto colérico que estava ameaçando as Províncias do Pará, Bahia e Rio de janeiro, e estava prestes a chegar ao Ceará.

João Silveira de Sousa

Concluído no ano de 1856, o surto do Cólera-morbo não atingiu a cidade com a intensidade que receavam as autoridades. Fez vítimas em Maranguape e Pacatuba no ano de 1862.

Nos anos de 1878 até 1879 o Ceará vivenciou uma das piores secas de sua história. Vieram então para a cidade de Fortaleza em busca de assistência, milhares de retirantes. Nesse período ocorreu um surto de varíola sem precedentes na cidade e o Lazareto da Lagoa Funda era o único lugar para onde poderiam ser enviados os doentes.

No ano 1878 o lazareto da Lagoa Funda teve seu ápice de funcionamento. Neste período, mais precisamente no dia 10 de dezembro de 1878, deram entrada em um dia no cemitério do Lazareto, 1004 corpos. Naquele ano de 1878, o obituário em Fortaleza registrou 57.780 mortos, a maioria vítima da varíola.

O cemitério do Lazareto de Lagoa Funda, também foi confirmado através de ossadas encontradas na hoje Rua Olavo Andrade e no entorno da Lagoa Funda que fora aterrada em 1979. Atualmente existe em seu local um conjunto habitacional, beirando a Avenida Leste Oeste, próximo à Colônia. A natureza não se defende, se vinga. Constantemente ocorre enchentes nestes locais.

A entrada para este Lazareto era na Carroçável Estrada dos Carvalhos, Estrada do Urubu hoje Francisco Sá. Após a Via Férrea, entrava-se na antigas Rua da Felicidade, atual Dom Helder Câmara.

 

Fim dos Lazaretos

Por fim o Lazareto de Jacarecanga foi fechado quando da inauguração da Santa casa (1861), e o de Lagoa Funda após a estiagem de 1877.

 

Communico(sic) a Vossa Excelência que tendo hontem(sic) sahido(sic) do lazareto da Lagoa – Funda a ultima doente, que ali se achava em tratamento, fiz fechar o hospital depois de haver mandado lavar e desinfectar(sic) convenientemente”  Inspetoria de Higiene e Saúde Pública. Ofício N ° 286 de 15 de Novembro de 1877…Correspondência Expedida do médico encarregado do hospital João Moreira da Rocha ao Presidente da Província Caetano Estellita Cavalcante Pessôa 17 de Agosto de 1877.

Esta é uma síntese do início do serviço de saúde pública do Ceará, que se tem registro.

Fontes Primárias:

– Arquivo Público do Estado;

– Respostas Imunológicas ao Mycobacterium Leprae nas Formas Clínicas Tuberculóide e Virchowiana     Monografia do doutor Francisco Assis Silva de Lima Junior,

Biomédico – Patologista Clínico CRBM nº 8592.

– Lazaretos da Jacarecanga e da Lagoa Funda (1819 – 1891) Hévila de  Lima Martins,                 Mestranda – UFC.

Obra:

– Barbosa, José Policarpo de Araújo: A História da Saúde Pública do Ceará, Edições UFC,1994.

Adendo: Última Pandemia no Brasil

 

Observemos este Recorte de 1918 referente a Gripe Espanhola.

Da Inspetoria de Higiene

 

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