Euclides Pinto Martins nasceu em Camocim – CE aos 15 de abril de 1892. Filho de Antônio Pinto Martins, natural de Mossoró – RN, e de Maria Araújo do Carmo Martins.
Em 1903, já com 11 anos, Pinto Martins foi com os pais morar em Mossoró e foi estudar no Atheneu Norte Rio Grandense e, paralelamente, ingressou num curso noturno de náutica.
Quatro anos mais tarde, (1907), embarcou no navio “Maranhão” saindo no ano seguinte, para ser segundo piloto do navio “Pará”. Infelizmente, um acidente de bordo interrompeu esta rápida carreira naval e, Euclides, com problemas na carótida, desembarcou em Natal sendo aconselhado pelos médicos a abandonar a carreira.
No início de 1909, seu pai mandou-o para os EUA com US$300,00 e uma recomendação para que uma empresa de amigos lhe repassasse uma certa quantia mensal para sua manutenção.
Euclides não perdera tempo, matriculou-se no “Drexell Institute” na Filadélfia onde, três anos depois se formaria em Engenharia Mecânica. Além de estudar, Pinto Martins trabalhava como estagiário na “The Baldwin Locomotive Work” , fabricante de locomotivas. Ali, o jovem aprendeu a falar inglês rapidamente e se inseriu na sociedade local, onde conquistou a Srta. Gertrudes Mc Mullan. Com quem casou.
Pinto Martins nas Águas do Jaguaribe – Aracati.
Nosso herói regressou ao Brasil logo após a formatura, (1911) desembarcou do navio “Booth Line”, em Fortaleza. Convidado por seu pai, viajou para Natal, onde passou a trabalhar como engenheiro na “Inspetoria Federal de Obras Contra a Seca” e na Estrada de Ferro.
A vida de Euclides Pinto Martins foi marcada por constantes viagens e mudanças. Em 1918, faleceu sua jovem mulher e Euclides, muito sentido, por a perda quatro anos antes de uma filha, retornou aos EUA.
Apesar da dor da perda, acalentava no peito o desejo de uma grande aventura entre o Brasil e EUA.
Em seu retorno à América do Norte procurou parcerias e acabou se associando a Ladislau do Rego, que juntos, compraram um navio com a ideia de criar, no Brasil, uma companhia de navegação de cabotagem. Lamentavelmente, o negócio não deu certo, pois o navio naufragou.
Euclides não esmoreceu, casou-se novamente com uma americana Adelaide Sulivan. Adelaide era advogada e doze anos mais velha que ele, e novo casamento nasceu em 1920 Adelaide Lillian.
Euclides Pinto Martins não se conformou apenas com a navegação marítima. Colocou seu foco na aviação que se desenvolvia de forma espetacular por causa da guerra. Como parte desta idéia, entrou num curso de aviação e conseguiu o “brevet” de piloto em 1921.
Com sua entrada no meio aeronáutico, conheceu um veterano na área: Walter Hilton, instrutor de vôo na Flórida. Com este novo amigo e a afinidade de ideias, Euclides resolveu confidenciar a respeito de um velho sonho: Atravessar o Atlântico numa viagem de avião Nova Iorque-Rio de Janeiro desbravando assim, essa rota aérea.
A ideia encontrou eco na mente de seu colega e, juntos, começaram a trabalhar. Lutaram com força de vontade e, finalmente, conseguiram um banqueiro: Andrew Smith Jr. que asseguraria verbas para o atrevido projeto. Assim, contrataram da Fábrica Curtis um hidroavião biplano com 28 metros de envergadura e dois motores “liberty” de 400 hp, cada. A máquina voadora pesava oito mil quilos! Depois do avião pronto decidiram batizá-lo de “Sampaio Corrêa” em homenagem ao Senador e Presidente do Aeroclube do Rio de Janeiro.
Euclides Pinto Martins
Tudo pronto, avião novinho em folha! A tripulação: Piloto Walter Hinton, co-piloto – Euclides Pinto Martins, mecânico de bordo – Jonh Edward Wilshusen da Fábrica Curtiss e para retratar a travessia George Thomas Bye, jornalista do “New York Word” e o cinegrafista John Thomas Baltzel da Pathé News. O hidroavião com sua equipe deveria decolar no dia 16/08/1922, mas ao colocá-lo no Rio Hudson, houve uma pequena avaria na asa esquerda, adiando então sua partida.
Por fim, no dia 17 de agosto de 1922, decolou do estuário do Hudson o majestoso “Sampaio Corrêa”, aplaudidos por milhares de pessoas!
A meteorologia que iniciava seus estudos, previa riscos de tempestades mas a equipe, afoita, não se importou e decolou sumindo no horizonte, assistidos das margens do Rio Hudson entre as ilhas de Manhatam e New Jersey. Vamos ver o depoimento da “Revista Semana” do Rio de Janeiro, sobre a decolagem:
“ A Doca do North River, diante da Rua 86, parecia mais um formigueiro humano. Mais de um milhão de pessoas havia se aglomerado de encontro ao cais com os olhos fixos no grande pássaro mecânico. O hidroavião Sampaio Corrêa, pintado de novo, ostentava nos flancos as bandeiras consteladas das duas grandes repúblicas irmãs. Às 15:00 horas contadas uma por uma nos relógios da cidade, os possantes motores começaram a roncar soturnamente. Com quatro ou cinco manobras hábeis o aparelho movia-se, evoluía entre embarcações apinhadas de gente, procurando a parte mais ampla e livre do rio. Houve então um prodígio. Erguendo-se daquele milhão de almas em desatino, dez talvez cem milhões de vivas atroaram os ares. Concentraram-se neles, durante largo tempo, todos os rumores da metrópole tumultuosa e fervilhante. Nova Iorque que palpitou naquele brado, partido daquelas bocas de todas as idades, de todos os feitios, de todas as condições.
Dir-se-ia que era a boca da cidade que gritava”.
Autoridades erguendo erma homenageando o ilustre filho da terra.
A verdade é que, apesar de saberem estar na época de grandes temporais, nossos afoitos aventureiros, se atreveram a iniciar a viagem. Neste mesmo dia, 17 de agosto, o avião foi obrigado a pousar em Nanten, por causa de um forte temporal. Pernoitaram ali, e decolaram de manhã com destino a Southport, onde chegaram dia 19/08. Prosseguiram viagem e dia 20 chegaram em Charlston, sem dificuldades.
Reiniciaram a viagem e tiveram que pousar em West Palm Beach devido a outro temporal. Partiram dia 21 às 11:00 horas e aterrissaram em Nassau, onde pernoitaram, seguindo de manhã com destino a Porto Príncipe no Haiti. Neste trecho foram surpreendidos por forte borrasca, perderam altitude e caíram no mar por volta das 20:00 horas, ao leste da ilha de Cuba, além do Cabo Maisi.
As coisas nesta noite ficaram pretas! Nossos aventureiros estavam em pleno Atlântico, escuridão total, riscos de tubarões e afogamento. Felizmente, não ficaram feridos na queda. O “Sampaio Corrêa” ainda flutuava e eles localizaram as pistolas sinalizadoras, encontradas com dificuldades no escuro.
Assim os fogos de artifícios iluminaram os céus do oceano, naquela noite, num desesperado pedido de socorro! Lamentavelmente, estes sinais não foram vistos… A situação tendia a complicar, pois no avião entrava água por buracos feitos pela colisão com o mar. Foi neste clima de preocupação, que Pinto Martins com seus bons conhecimentos de náutica, lembrou-se que tinham uma lanterna grande, a qual achou numa parte do avião, ainda seca.
O jovem intrépido subiu no nariz da nave naufragando e passou a fazer sinais luminosos de socorro. Não demorou muito, pois perto dali, a Canhoneira da Marinha Americana “Denver”, viu os sinais luminosos e apitou, seguindo em socorro dos náufragos. Foram feitas tentativas, em vão, de rebocar o “Sampaio Corrêa” que acabou indo para o fundo do mar sob os olhares tristes de nossos aventureiros…
O próprio Pinto Martins deu a seguinte declaração ao Jornal do Brasil: “…sendo piores possíveis as condições atmosféricas, os aparelhos de altitude perderam a precisão. Reinava forte cerração e quando acreditávamos estar muito acima do nível das águas, nela batemos com violência. Com a força do choque o aparelho furou e foi invadido pela água...”
Avião perdido. Os náufragos foram levados para a Base Naval de Guantânamo, em Cuba.
Pinto Martins e seus amigos não enfraqueceram, continuaram com a ideia de provar que uma rota aérea ligando as Américas (norte e sul) era viável. Assim, acabaram conseguindo que o Jornal” The New York Word” lhes dessem um outro avião para continuação da viagem. Viajaram para Flórida, Escola Naval de Pensacola, onde outro avião adquirido pelo Jornal os esperava. Era um hidroavião com seis anos de uso, que pertencera a Base. Graças a esta doação, em 04 de Setembro do mesmo ano, em São Petersburgo, na Flórida receberam a nave e batizaram-na de Sampaio Corrêa II.
Nossos aventureiros continuavam afoitos e logo decolaram da Flórida, pousando em Porto Príncipe no Haiti em 07/09. Ali, com problemas no sistema de refrigeração do avião ficaram 30 dias parados, até que peças de reposição chegassem de navio dos EUA.
Aos sete dias do mês de outubro, decolam novamente com destino a São Domingos, República Dominicana, onde pernoitam, seguindo para Porto Rico. Continuaram a viagem, chegando em Guadalupe e partiram para Martinica onde pousaram em 12 de outubro.
Avião no ar novamente, com muitas dificuldades causadas por chuvas, chegam em Port Spain, Trindad e Tobago, dia 15 de outubro. Ali, perderam mais 30 dias com troca de hélices e outros consertos. Em 21 de novembro, decolam para Georgetown na Guiana Inglesa, dali para Paramaribo, Guiana Holandesa, Caiena, Guiana Francesa e, finalmente em 1º de Dezembro, pousam no Brasil, Estado do Pará, no Rio Cunani, ao norte da foz do Rio Amazonas.
Os rapazes ávidos por aventuras e estas não faltavam, prosseguem para a Ilha de Maracá, Belém, e Bragança onde obrigados por um temporal pousam no Rio Caeté. Passaram três dias em Bragança seguido viagem para São Luís. Às 12:00 horas do dia 14 de Dezembro, o Sampaio Correia desce na Baia de São Marcos desembarcando na ilha de São Luis, no Maranhão, dia 14, onde ficaram até dia 19.
Finalmente, quatro horas e meia depois da decolagem, (dia 19 de Dezembro) pousam em Camocim, terra natal de Pinto Martins. Depois das muitas já conhecidas homenagens, partem no dia seguinte para Aracati, sem pousar em Fortaleza por dificuldades de amerissagem nas águas agitadas da enseada do Mucuripe.
Pernoitaram em Aracati e voaram para Natal onde dormiram um sono reparador. Logo bem cedinho, decolavam em direção ao sul. Mal viajaram 50 milhas quando o motor de bombordo apresentou um problema. Estavam sobrevoando ainda o território Potiguar, perto de Conguaretama, Bahia Formosa, e uma grave pane no motor esquerdo que forçou-os a amerissar na citada Baía. Analisado o motor descobriram que algumas engrenagens estavam irremediavelmente danificadas e tinham que ser substituídas. Só conseguiram o conserto das peças em Pernambuco, mais exatamente em Recife. Pinto Martins, que havia viajado para resolver o problema retornou, dias depois, com as peças para reparar o motor.
Foi com muita dificuldades que decolaram de Bahia Formosa, rumo a Recife. Nova pane os forçou descer em Cabedelo, sendo que desta vez a coisa era bem pior. A viagem quase terminou por ali, não fosse o Comandante da Aviação Naval, Capitão de Mar e Guerra, Protógenes Guimarães que, vendo a situação desesperadora dos viajantes com o motor irrecuperavelmente danificado, doou-lhes um novo! Esta simpática doação possibilitou a continuação da viagem.
O futuro mostraria que este Comandante teria pela frente uma bela carreira e chegaria a ser Ministro da Marinha.
Trocado o malfadado motor, eles decolam de Cabedelo e pousam no Recife. Ali, como em todos os lugares que pararam, foram muito bem recebidos, com festas, visita ao Governador enfim, todas as honrarias de heróis. Euclides, em Recife, teve a alegria de abraçar seu pai e suas duas irmãs, Abgail e Carmen. Daí para frente, a viagem seria tranqüila pois estavam no nordeste e a possibilidade de mal tempo era mínima.
Ficaram em Recife por 3 dias e seguiram viagem às 11:00 horas rumo a Alagoas, pousando em Maceió onde permaneceram até o dia seguinte. Dali até Salvador, após as festas costumeiras, foram apenas 3 horas e 50 minutos. Na capital baiana, as festas e homenagens foram muitas. Autoridades diversas, inclusive o Cônsul Americano que prestigiou as cerimônias de saudações aos conquistadores da travessia!
Partiram no final da semana, 04 de fevereiro, às 12:55 pousando em Porto Seguro às 16:30h. Após reabastecer o avião e tendo tido uma noite tranquila, partem de manhã, 8:50h para Vitória no Espírito Santo. Eram 12 horas e 12 minutos quando tem inícios as festividades de recepção aos “viajores” do ar!
A Chegada
Faltava pouco para a chegada ao Rio de Janeiro e era necessário programar pois, uma esquadrilha da Aviação Naval, planejava escolta-los ao local da chegada!! Autoridades estariam presentes, afinal seria a grande conquista de uma rota que viria a ser explorada, no porvir, por grandes empresas de aviação mundial!!
Partiram, ansiosos, às 12:30 h., com destino a Cabo Frio e depois Rio de Janeiro! Aterrissaram em Cabo Frio às 15:15 horas em 7 de fevereiro de 1923 onde pernoitaram. Às 10:35 h. decolaram voando sobre Araruama, Saquarema, Maricá e demais localidades costeiras fluminenses.
Finalmente, às 11:32 h de 8 de fevereiro de 1923 o avião é avistado sobrevoando a Baía da Guanabara! Ao pousar foram recebidos na lancha “Independência” do Ministério da Marinha onde o primeiro a ser abraçado pelo Senador Sampaio Correia foi Pinto Martins seguido por Hilton, o piloto, George Thomas, o jornalista e por fim o cinegrafista, John Thomas que, afinal, filmava o evento!!
Vários dias de festas e glórias aconteceram no Rio de Janeiro.
Tombou das Alturas
Sua Morte
Apesar de tantas glórias, Euclides Pinto Martins teve muitas dificuldades consequentes de suas aventuras. Dívidas adquiridas precisavam ser pagas. Após o “Raid”, a fama e a glória, ele sentia o peso de ser um homem comum e com pouco dinheiro. Sua mulher se recusava a morar no Brasil e entrara com a ação e divórcio. Estava sendo pressionado para pagar o dinheiro emprestado para financiar o evento (U$19.000). Foi neste clima que, tristemente, encontraram Pinto Martins morto em seu quarto com um tiro na cabeça vitimado talvez por uma crise de depressão. Era o dia 12 de abril de 1924, pouco mais de um ano depois de tão glorioso feito.
Nada mais se sabe a respeito de sua morte dada oficialmente como suicídio. Em profundo respeito a este grande conquistador nos limitaremos a reproduzir as palavras de seu pai sobre seu desaparecimento:
“Está provado que ele chegou a este estado de desespero levado por privações muito cruéis… Sua morte foi consequência da dignidade e altivez de seu caráter. ..”
Nosso profundo respeito, aviador!!!
Referências:
– Campos, Eduardo: Pouso da Águia, UFC,2000;
– Cooper, Ralfh: Pinto Martins, Manuscrito sem data e paginação;
– Jornal do Brasil, 4 de setembro de 1922;
– Revista Semana do Rio de Janeiro, 19 de agosto de 1922;
– Theofilo G. de Oliveira, Tácito. Pinto Martins. Fortaleza – Ceará – 1977.
– www.camocimpotedehistoria.blogspot.com
Agradecimentos
– A Base Aérea de Fortaleza;
– À Biblioteca Municipal de Camocim;
– Ao Instituto do museu jaguaribano, Aracati, Ceará.
– Ao Senhor Arthur Queiroz, historiador camocinense (in-memorian);