Valdemar Alves de Lima
02 de dezembro de 1924 – 09 de abril de 1984
“A memória do justo é abençoada, mas o nome dos ímpios apodrecerá”
Provérbios 10.7
“Todos os que vivem de escrever ou pintar, ou musicar, ou de qualquer arte ou artesanato possuem sempre um determinado número de coisas começadas, esboçadas ou que deixaram para terminar um dia que nunca chega. Algumas dessas sinfonias inacabadas, encontradas em meio a velhos papeis, reproduzo aqui. ”
Emanuel Vão Gogo, escritor brasileiro.
# Foi-se o meu pai e irmão
Obedecendo ao chamado de Deus;
Sabemos não foi adeus
Mas, uma breve separação.
Sei que muitos o amaram
E a certeza do Céu no além,
Faz a gente continuar também
Vivendo os anos que nos separam. #
Do autor
O CONTEXTO QUE VAI DESCREVER ESTE RELATO
VILA TELHA – IGUATU – E O SÍTIO PEIXE
Os registros antigos do local que se denominaria Iguatu, remota ao ano de 1707, onde foi registrado a palmilhação do padre João de Matos Serra, catequizando os Quixelôs, nativos daquelas terras. O aldeamento, que era conhecido como Venda, passaria a ser identificado pelo nome de Telha (oriundo da sua produção ceramista), em virtude da configuração convexa de suas terras, que convergiam para o rio Trussu.
Foi neste local que ocorrera lutas, mas, que prevaleceu um clima de paz e os Quixelôs pacificados em convivência com os colonizadores, fixaram sítios às margens do Jaguaribe, grande e navegável rio que cortava a região, dentre os quais o Sítio Peixe, que à posteriori iria pertencer ao Município de Jucás. Os colonizadores sendo conhecedores da fertilidade das terras da Telha, transferiram seus ranchos para o novo povoado, que já estava tomando aspecto de pequena vila. Com a denominação de Telha, o distrito foi criado pelo decreto lei n° 2.035 de 11 de outubro de 1831, um dos primeiros decretos assinados por Facundo de Castro Menezes (Major Facundo que leva nome de Rua no Centro de Fortaleza).
Elevado à categoria de Vila, a denominação de Telha pela lei provincial nº 558 de 27 de novembro de 1851, foi desmembrada de Icó juntamente com Jucás, que era sua Sede das duas Vilas.
A instalação da Vila Telha data de 23-01-1853, porém, a Vila de Jucás remonta ao ano de 1823, mas, sem autonomia administrativa.
Por ato provincial de 01 de setembro de 1865 é criado o distrito de Bom Jesus do Quixelô e anexado à Telha, cuja a condição de cidade deveu-se pela lei provincial nº 1612, de 21 de agosto de 1874.
Finalmente, pela lei provincial nº 2035 de 20 de outubro de 1883, o município de Telha passou a denominar-se Iguatu
Iguatu estava no trajeto dos Trilhos da Estrada de Ferro de Baturité, depois Rede de Viação Cearense – RVC, Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA. Nossa ferrovia cearense contemplaria esta Cidade que era riquíssima em algodão, Calcário, pecuária dentre outras exportações. O primeiro trem oficialmente chegou no Iguatu em 5 de novembro de 1910, sendo no km 416,298, e com 215,660 metros acima do nível do mar.
Várias cidades vizinhas passaram a serem atendidas pelo trem.
Corria o ano de 1915.
O Ceará ainda de ressaca das turbulências da Sedição de Juazeiro e, traumatizado com os rumores da primeira grande guerra, agora amarga uma assoladora seca. Em toda extensão do território cearense campeou a miséria infrene, e o abutre da fome que assaltou os lares com garras afiadas, produziu miséria, mecheu na autoestima dos infelizes retirantes, que emergiu dos mais diversos pontos da cidade de Iguatu. Nas praças, ruas e em cercados, foram cerca de 15.000 indigentes amontoados, formando um verdadeiro mar de cabeças humanas; A caridade particular se esgotou; a varíola em virtude da aglomeração de imigrantes, na falta absoluta de higiene não esperou, porém, graças às medidas enérgicas que se tomaram, isolaram-se os pestosos e aplicou-se a vacina com a valiosa cooperação do Benemérito Farmacêutico Rodolpho Theóphilo que, trabalhou gratuitamente na intenção de ser útil aos cearenses.
Iguatu, terra dos ancestrais do autor, a exemplo de Adil Mendonça que tem nome de Praça é seu tio-avô. É impressionante para todos os visitantes, por ser banhado pelo Rio Jaguaribe, um dos principais rios do Estado do Ceará. O mesmo guarda para você um banho de beleza natural.
Estação de Iguatú em seu aspecto original
O êxodo Rural
Apesar de grandes enchentes ocorridas no Vale do Sertão Central, duas grandes secas estavam por vir. As dos anos de 1932 e a de 1946, o que tornou a coisa insuportável para os moradores sertanejos que não tinham privilégios. Alguém teria que agir, e sem delongas tomar as cabíveis atitudes, para amenizar a situação.
O Brasil acabava de sair da “Ditatura Vargas” e de uma grande guerra e todas as atenções, principalmente a classe política que estava voltada para o Rio de Janeiro. Estava sendo elaborada uma nova Constituição e novas leis viriam para reger a Nação e como sempre os pobres em segundo plano, isto em caráter emergencial.
Valdemar de modo decisivo, aprontou os pertences pessoal, e resolutamente se dispôs a ir para a Capital. Sua célebre frase seria evocada por gerações futuras: “Existe diversas maneiras de morrer, mas não de fome, o mundo tem vida”.
Naquele difícil ano (1946) fora uma febre, o povo do sofrido interior vir para Fortaleza, e haja carroças para o transporte de retirantes da zona rural para a Estação de Iguatu. Na carroçável e estreita via de acesso do “Sitio Peixe” para alcançar o único transporte de massa do sertão era o Iguatu, local mais próximo (apesar do trem já ter chegado em Crato). Relatado por Valdemar “era muito o gado morto e o causticante sol já havia secado várias lagoas”.
A visão que se tinha era de muito mato seco.
Por fim, ele chegou na estação ferroviária com sua pequena bagagem e entre os pertences um bilhete mal redigido para um conterrâneo chamado de Irineu, que trabalhava no Cartório Pontes, na Rua Major Facundo próximo à Praça do Ferreira.
Alguns viajavam por querer seus filhos estudando e/ou procurando melhorias, outros por plena subsistência e dos seus, como é o caso deste relato.
Foi grande a afluência de passageiros; houve lágrimas, abraços apertados e todos se dirigiam aos seus assentos. O trem tinha apenas cinco minutos de espera.
Após o minúsculo período, o sino bateu, a locomotiva silvou e começando os engates a se esticar, e lá se foi a composição da Rede de Viação Cearense – RVC, pegando velocidade e assim o comboio cortou de mato a dentro e desapareceu no horizonte.
Composição da Rede de Viação Cearense – 1946
Com seu bilhete de segunda classe, carro desconfortável e tinha que ser assim passar da 7 da manhã até 21h horas, quando o chefe do trem avisou aos fadigados passageiros a aproximação da “Cidade Grande”.
O tem chegou.
Um pouco desorientado eles, bem como outros, passaram a noite nos rústicos bancos da Praça da Estação. Como não chovia, não havia com que se preocupar, apenas a saudade dos familiares a quem deixara distante naquele escasso sítio. O dia ia quebrando a barreira, a lua que passou a noite brincando com as estrelas, cessara da espetacular apresentação. Lá vem o horizonte ficando alaranjado, e o sol nascendo. Assim viu pela primeira vez o sol nascendo longe do torrão natal.
Foi espantoso ver carros, bondes principalmente na Praça do Ferreira. Existia três prédios no Centro de Fortaleza na época: Edifício Diogo, Majestic e o Excelsior Hotel.
A movimentação foi muito intensa, e funcionou como uma parafernália para quem era acostumado no silêncio do Sitio Peixe, em que se ouvia o vento assobiando e o estalar das folhas secas, e o rugir de algum animal perdido, por entre as frondosas matas.
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Esse foi o matuto que chegou
Os rádios em cantoneiras e valvulados, sintonizavam a única emissora existente, cuja irradiação vinha do Edifício Diogo (edifício azul) na Rua Barão do Rio Branco. Era a PRE9.
Achando o Cartório Pontes, encontro o conterrâneo o qual ofereceu pousada por o período em que retirava seus documentos. Senhor Irineu morava no Bairro Campo da Aviação, depois Cocorote que é a Serrinha tal como a conhecemos.
Documentado, o mesmo devido seu grau de instrução, fora trabalhar como servente de pedreiro na construção da segunda etapa da Vila Operária da Fábrica São José, de propriedade do Coronel Pedro Philomeno Ferreira Gomes.
Foi com aquele serviço, que humildemente solicitou ao Coronel uma casa para trazer seus familiares do Interior.
Assim o fez e na Vila São José se alimentava e dormia em meio as construções, até que chegou sua irmã Maria de Lourdes e serenamente foi chegando um a um, até que sua alegria se consumou com a chegada do último.
João seu irmão logo após chegar na Vila ocorreu problema conjugal e foi ser morador na Fazenda Guarany em Pacajus, e o Francisco (tio Chico) não quis sair do interior, ficando nas Queimadas distrito de Iguatu. Benedito, o caçula do primeiro matrimônio de minha avó foi para o Rio de Janeiro, carregado por uma gaúcha que conheceu.
Assim ficaram Raimundo, Elisa, Lourdes e Terezinha junto com o Nonato (o galã). Mário o caçula de todos foi para o Rio de janeiro morar em Realengo, falecendo em 2023.
Esta ancestralidade toda já desapareceu, restando o novectário Benedito e o octogenário Nonato de quem não temos notícias.
Foi nesta convivência da Vila São José que ele conheceu Nely Porfírio, oriunda da Serra da Meruoca, pertencente ainda ao Município de Sobral, e pasme o leitor após a conclusão da segunda etapa da construção da VSJ, quase todo operariado foi trabalhar na fábrica de tecidos e lá passaram a se conhecer melhor. Nely havia chegado com seu irmão Estanislau em 1945 e veio morar numa casa ainda hoje existente na Rua Maria Estela, mas que com a construção do Shopping Fashion fora invadido pela Rua Adriano Martins. (Conveniência comercial).
Matriz bastante danificada pelo correr do tempo. (IBGE).
Valdemar Alves de Lima e Nely Porfírio da Silva casaram no civil em 10 de setembro de 1947 (Nely Silva de Lima) e o religioso na igreja dos navegantes dez dias após, sendo ministrado pelo Padre Pio.
Os nubentes em recepção simples na Rua Maria Estela nº 45, foram morar seis casas após, baixos de uma casa que outrora servia como chafariz para atender a demanda das ruas existentes.
Em 1950 ocorreu no início da gestão José Teixeira Mota, que era no dizer de muitos “O manda chuva da fábrica” uma demissão coletiva, aquele termo popular chamado de “Corte”, e o Valdemar fora no meio. Nely ainda continuou por um período.
Como ele sempre fazia à hora e nunca deixava acontecer, saiu em busca de serviço e se deparou com a Padaria Ideal, que era localizada na Praça da Lagoinha, e o destino sob a direção de Deus estava sendo traçado. Era grande a clientela ilustre da padaria ideal, e os entregadores obtinha privilégio de indiretamente manter contato com a aristocracia fortalezense que fora convergida para o Jacarecanga desde 1910, quando o bairro tomou ar de Belle époque.
Em algum dia do ano de 1952, o Acrisio Moreira da Rocha (morador da Rua Monsenhor Dantas) perguntou se Valdemar estava disposto a ingressar nos quadros da Prefeitura Municipal de Fortaleza.
A prontidão foi de imediata.
Com recomendação e documentação em mãos, fora para o gabinete do Prefeito, na época Paulo Cabral de Araújo, e do Palácio Iracema na Praça dos Voluntários saiu sua portaria como “Fiscal de Abastecimento” e fora lotado no Matadouro Modelo, no Tauape, hoje Jardim América.
Acrisio Moreira da Rocha o indicou
e o Prefeito Paulo Cabral de Araújo o nomeou para PMF.
O Gabinete do Prefeito de Fortaleza em 1952
era no Palacete Iracema na Praça dos Voluntários.
Inicialmente no serviço púbico foi no Matadouro Modelo.
Matadouro Modelo que funcionou até 1959.
Depois seria criado o Frifort também extinto.
Mercado Paula Pessoa
São Sebastião
Após passagem por o Mercado Central e do bairro Joaquim Távora O Prefeito Lucio Alcântara o localizou no Bairro Carlito Pamplona até que aos 28 de setembro de 1983 recebeu a merecida aposentadoria com proventos aditivado do seu cargo de confiança.
Tudo o que é bom dura pouco.
A começar pela aposentadoria que, prazerosamente só a recebeu por cinco meses quando aconteceu o inesperado.
Naquele 9 de abril de 1984 a família fora abalada, e a tristeza tamanha, encheu sua prole. Deus com seu amor infinito, sabedoria infalível e de poder Supremo, tirou-o de nossas mãos.
O aconchego paterno nos envolve numa empatia familiar e neste carismático clima, não percebemos que saímos da infância.
Olha lá o futuro à nossa frente, e quando menos se espera chegou, sem ao menos ter se preparado para viver. Quando pensamos eternizarmos o o agora, já é passado.
O tempo é um gigante que nos traga, deixando para trás farrapos das boas horas. Mesmo que, nossos pais cometam atos que culminem em insucessos e/ou decepções para nós eles serão sempre heróis.
Valdemar, meu, nosso pai herói.
Seu último registro fotográfico.
Valdemar Alves de Lima – Prole
Nely Silva de Lima – Esposa;
- Francisca Francineth Lima dos Santos (Cara do sal);
- Francisca Alseneneth Lima Andrade (Dedão no pé);
- Francisca Marineth Alves de Lima (in-memorian);
- Francisca Luzineth Alves de Lima (Dibanquinha);
- Jussiê Alves de Lima (in-memorian);
- Francisco Flávio de Lima (Feijão);
- Francisco Olavo Silva de Lima (in-memorian);
- Francisco de Assis Silva de Lima (Pirulito);
- Francisca Elizabeth Lima Girão (Zambeta);
- Mário Alves de Lima (Ferrolho de Igreja);
- Francisco Paulo Cesar Silva de Lima (Japonês);
- Francisca Ivoneth Alves de Lima (in-memorian);
- Valdery Alves de Lima (in-memorian)
- Francisco Charles Alves de Lima (Jumento);
- Francisco Valdemar Silva de Lima (Patino);
- Francisca Valdete Lima Carvalho (Pimpolha).
ALBUM FOTOGRÁFICO
Todos os registros é álbum de família
E pertencentes a coleção do Assis Lima
Casa aonde Valdemar viveu seus últimos dias e o autor nasceu.
PALAVRAS FINAIS
Pronto.
A aventura pela vida de Valdemar Alves de Lima, para por aqui.
Não é o passeio por sua vida que chega ao fim. É o roteiro de peripécia definidas que se conclui.
Ainda existe muitas coisas para se contar, é só chegar na lembrança, então será revelada num próximo trabalho.
Lembro à sua prole, não cabe um ponto final. Falem do Valdemar se souber: a história vai agradecer e o autor também.
“Depois de concluído o livro e quando o relí já apurado na estampa, conheci que me tinham escapado senões que se devem corrigir… Se a obra tiver uma segunda edição, será escoimado destes e outros defeitos, que lhe descubram os entendidos”.
José de Alencar do Livro Iracema
Em carta ao Senador do Império Domingos Jaguaribe.
AUTOR
Assis Lima, por muitos anos anotou num decrépito caderno já com páginas amarelando, sua vivência quando criança sempre acompanhando a vida deste guerreiro, ora contada. Talvez, nem a sua família tomara conhecimento de sua palmilhação por a terra que o viu nascer.
Suas privadas conversas com Elisa sua mãe, quer no tanger dos pintos ao pôr-do-sol no mato do muro da fábrica, ou no saborear do bolo minuto pela manhã fora conservada em segredos em que com o correr dos anos o momento chegaria, e chegou para findar sobriedade.
Será que ele foi um homem perfeito? Nunca se decepcionou na vida? Bem. Tamanha fora suas conquistas e vitórias, que estes detalhes não se contam.
Quem dera, se pudesse contar mais. …….