Assis Lima
Assis Lima

SANTO ANTONIO DO BURACO TERROR DOS DESOBEDIENTES DE ONTEM

 

 

Estrada de Ligação para a Terra dos Pitaguary

Estrada de Santo Antonio. 1919

Na Terra dos Pitaguary

De origem Tupi, o termo Pitaguary sempre aparece, nos documentos oficiais dos séculos XVII, XVIII e XIX, designando um lugar: uma serra, um sítio ou um terreno. Possivelmente, é um termo derivado de variáveis do nome Potiguara, etnia que teria ocupado extensas terras, já em 1603, na costa cearense. Para o termo “Potiguara” há diversas interpretações e é nelas que se pode perceber a semelhança existente para com a denominação Pitaguary.

O Ceará foi a primeira província a negar a existência da presença indígena em seu território, ainda no século XIX. Como resultado dessa medida, extensas faixas de terra tornaram-se disponíveis, o que beneficiou de forma direta a pecuária extensiva.

Nesse contexto, povoados originados pela expansão dessa atividade foram transformados em vilas e o Estado passou a exercer controle crescente sobre a mão-de-obra local, uma mão-de-obra que era basicamente formada por índios submetidos ao regime de trabalho forçado.

O Estado conquistou hegemonia que sobre os índios após a expulsão dos jesuítas; foi dado lugar a um processo de perda de visibilidade indígena que só começou a ser revertido na segunda metade do século XX, quando, a partir da década dos anos de 1980, dada à mobilização do povo Tapeba (Caucaia), voltou-se a falar sobre a presença indígena no Ceará.

Logo em seguida dez anos após, foi a vez dos Pitaguary, que começaram a se organizar politicamente para pressionar pela demarcação de sua terra.

Pitaguary é a autodenominação do povo indígena cuja remanescente ainda vive ao pé da serra entre os municípios cearenses de Maracanaú, Pacatuba e Maranguape. Distando aproximadamente 26 Km de Fortaleza, a Terra Indígena Pitaguary está situada na região metropolitana da Capital cearense, tendo em seus arredores uma área caracterizada pela concentração de indústrias e urbanização crescente.

 

Assentamento dos Pitaguary.  Registro de 1933.

Habitada pelos Pitaguary desde há muito, essa terra é socialmente marcada por uma série de acontecimentos que fundam a memória coletiva de seu povo. Foi nela que os “troncos velhos” pereceram, deixando suas “raízes antigas”, assim como é dela que sobrevivem os Pitaguary de hoje.

A Era Vargas foi o período em que a república brasileira foi presidida por Getúlio Vargas, estendendo-se de 1930 a 1945. Politicamente falando, uma das grandes características da Era Vargas foi o autoritarismo sob o qual o Brasil foi governado.

Por ter ido Vargas ao poder via Revolução (1930), o mesmo ficou rotulado como o Governo revolucionário, até porque a revolução constitucionalista foi em 1932.

A Educação Correcional na Escola Santo Antônio do Buraco

Em outra mão, os “desvalidos” e “perigosos” para a sociedade eram arrancados das ruas e internados em instituições “corretivas”; também muitas famílias abastadas requeriam a internação de seus filhos “trabalhosos”.

É nesse contexto, que o capitão Roberto Carneiro de Mendonça, segundo interventor do Ceará (1931-34), politicamente neutro e vindo de outro Estado, cria por meio do Decreto n. 1.163, de 11 de dezembro de 1933, o Instituto Carneiro de Mendonça, popularmente conhecida por Escola Santo Antônio do Buraco.

A escola fora criada em meio aos efeitos da catastrófica seca de 1932, momento em que milhares de pessoas morreram de fome, de sede e de doenças, tendo em vista à pouca assistência do governo. A instituição foi instalada na Fazenda Santo Antônio do Pitaguary, de propriedade do Estado e se destinava a preservação e correção de menores de 8 a 18 anos de idade. A construção da escola foi feita com o auxílio de uma turma de sentenciados de bom comportamento.

Consta no relatório do Interventor Carneiro de Mendonça (1931-1934), que o Governo Federal deliberou através do decreto nº 20.348, de 29 de agosto de 1931, para que os municípios se obrigasse a recolher aos cofres do Estado, 10% de sua renda para auxiliar o custeio das escolas de ensino primário, além disso, este decreto determinasse que todas as escolas municipais fossem transferidas para o Estado. Nessa perspectiva, em 1931, por lei o Estado passou a assumir os encargos referentes ao ensino primário, com a colaboração financeira dos Municípios.

O Estado gradativamente deveria passar a se preocupar mais com a educação, de modo que a Constituição Estadual de 1935 em seu Art. 156 determinaria a que o Estado e os Municípios aplicassem entre 20% e 10%, no mínimo, da renda dos impostos, respectivamente, na manutenção e desenvolvimento do sistema educativo que se organizaria pelo Conselho de Educação.

Assim, os governos cearenses em meados dos anos 1930 e início da década de quarenta desenvolveram várias campanhas de recolhimento de mendigos e falsos mendigos. Começou a recolher os pedintes no Centro de Fortaleza.

As crianças, de até 12 anos e as de idade superior a essa faixa, deveriam ser recolhidas ao Instituto Carneiro de Mendonça, em Santo Antônio do Pitaguary, popularmente conhecido como Santo Antônio do Buraco.

Desde este período, a Escola Santo Antônio do Buraco começa a fazer parte do imaginário popular cearense como sendo um lugar tenebroso onde se imaginava: existir um grande buraco escuro no qual seriam jogadas as crianças que não tivessem um comportamento compatível com o que era exigido na época na perspectiva dos moldes atuais.

Esta é a conhecida Madalena transporte de detentos.

As crianças na época ouviam histórias de que, iam pra lá pra ficar enterrada no buraco, onde passaria o dia inteiro; temendo o Santo Antônio do buraco os meninos se ajeitava ligeirinho. Quando a caminhoneta Madalena chegava na esquina, pronto, ela abria aquela sirene, corria o que era de menor, corria tudo

A Escola Santo Antônio do Buraco, como era mais conhecida, acabou sendo uma opção para muitas famílias que não sabiam como lidar com seus filhos que davam muito trabalho para se educar. Assim, algumas famílias mais abastadas entregavam seus filhos aos cuidados,  de modo que pudessem ser corrigidos e aprendessem alguma profissão como, por exemplo, carpintaria, alfaiataria, tecelagem e sapataria.

O Santo Antônio do Buraco foi um colégio que ficou na história como um exemplo excelente. Ele não era só aquele colégio que tirava das ruas crianças marginais, mas também aquelas que as mães não tinham condições de sustentá-los e educá-las. Não foi só um colégio do ensino fundamental, mas de ensino profissionalizante, quase todos os aluno da época foram recuperados e ressocializados a viver na sociedade.

Meu saudoso pai, quando sentia que estava perdendo as estribeiras com os demais de minha casa, ameaçava para lá nos levar. Ficávamos bem “santinhos”.

Quando o Presidente Emílio Garrastazu Médici, com seu Ministro de Estado da Educação Sr. Jarbas Passarinho, promoveu a grande reforma no ensino do Brasil, exemplo extinção de quatro séries do Ginasial (1972), o Santo Antônio do Buraco já estava desativado.

Escola Santo Antônio do Buraco

Instalada na reserva Pitaguary

 

Relatório de Carneiro de Mendonça 

Arquivo Público do Estado

Referências

Fontes:

– Relatório Administração Carneiro de Mendonça

22 de setembro de 1931 a 5 de setembro de 1934

Site: índios.org.br

 

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